domingo, setembro 29, 2013

Surfista a beira de um ataque de nervos

[Escrito no final de Julho de 2013]



Sem surfar desde janeiro.
Sabem o que é isso ?
Lá se vão seis meses de molho, ou melhor, sem molho, nosso molho predileto, de água salgada.
Os sintomas são terríveis, deixei de consultar diariamente os saites de previsão de onda, ganhei peso, empalideci, a paciência encurtou de maneira assustadora.
Nem revista de surfe dá vontade de ler.
Fred disse certa vez, tentando consolar Brunin, um amigo que tinha entrado (ou caído) de cabeça na ciranda do mercado financeiro, que naquele momento ele era (ou estava) mais surfista do que nunca tinha sido.
Brunin se questionava sobre suas escolhas, já não sobrava tanto tempo para surfar, família em plena ebulição, o vislumbre dum futuro brilhante numa prestigiada instituição financeira, mudança do Rio pra Zampa - pairava a dúvida, sonho ou pesadelo.
Pôrra Fred, não sou mais surfista...!
Fred, o amigo mais velho, esclarecido, vivido, sabedoria adquirida pela própria experiência, tratou de aliviar o jovem e atormentado camarada.
Bruno, voce nunca foi tão surfista quanto agora...
Na época achei o gesto bonito, diria até generoso, mas o tempo é uma velha sacana que atravessa a rua sem olhar e te manda a merda quando voce pede para que ela atravesse na faixa dos pedestres.
Seis meses sem surfar pode deixar um sujeito enlouquecido - e voce não lerá essa frase em outras publicações que não sejam especializadas em surfe.
Eu nunca fui menos surfista do que nesse exato momento em que escrevo, cervical ardendo em dor, braço direito adormecido, pavio curto.
Mesmo lendo os 350 saites de surfe, folheando as pilhas de revistas que insistem em chegar mensalmente, ignorando meu desgosto, mesmo assistindo os trocentos videozinhos no Vimeo, Youtube e atochando o DVD com quinquilharia que vai dos anos 40 até ontem.
Trocava essa merda toda por uma bela - e longa - caída em Grumari.
Essa seria a única maneira honesta comigo mesmo de sentir-me surfista novamente.
Voce não entendeu nada, Julio... Discordaria o leitor mais afobado.
Num diálogo improvável, responderia eu que já não bato muito bem da bola e tenho extrema dificuldade para entender coisas simples.
Seis meses atrás, diante de questões complicadas, faria como aconselhava Tom Blake e 97% dos textos piegas nas revistas (e saites) de surfe, iria surfar pra esfriar a cabeça e tudo se resolveria como num passe de mágica.
Tento um banho frio, não consigo o resultado esperado.
Pesquiso passagens para Peru, Maldivas, Indonésia, Tahiti, fingindo que há dinheiro para gastar, apenas para passar o tempo - tempo que eu deveria estar dedicando ao pai Mar.
A patroa tem toda paciência do mundo comigo, e é preciso, um marido surfista em casa, seis meses sem surfar, é como uma fera enjaulada - obrigado a dieta vegetariana.
Sim, sei que já passei dessa fase, tenho 45 anos, não sou mais um garoto, meu corpo compreende isso com perfeição, mas minha cabeça teima em me contrariar.
Não são voces que dizem, a idade está na cabeça ?
Drummond não dizia que, Todo mundo é bom quando não usa a cabeça ?
Nesses últimos cento e tantos dias, tenho usado a cabeça demais e corpo de menos.
Voce que chega ao final dessa revista ainda com fôlego para encarar mais um texto, sabe do que estou falando.
Quantas vezes se viu obrigado a esse exílio involuntário ?
E o que fez para evitar a mais completa loucura ?
Aposto na família, trabalho, os amigos não dão muita bola pra essas coisas coisas não - só quando chega a hora de abotoar o paletó, e haja tapinha nas costas.
Se alguem hoje chegar e me disser, Julio, voce nunca foi tão surfista quanto agora, juro que mando pra aquele lugar.






 


Ps -
Brunin fez a escolha certa.
Hoje, mesmo morando em Zampa, surfa muito mais do que eu.


Ps 2 -
Como diria o velhinho filósofo no filme do Woody Allen, somos a soma das nossas escolhas...



[We're all faced throughout our lives with agonizing decisions, moral choices. Some are on a grand scale, most of these choices are on lesser points. But we define ourselves by the choices we have made. We are, in fact, the sum total of our choices. Events unfold so unpredictably, so unfairly, Human happiness does not seem to be included in the design of creation. It is only we, with our capacity to love that give meaning to the indifferent universe. And yet, most human beings seem to have the ability to keep trying and even try to find joy from simple things, like their family, their work, and from the hope that future generations might understand more.]

4 comentários:

  1. Anônimo12:40 PM

    Fala Julho.
    Melhoras pra vc irmao. Passei o ultimo ano fazendo rpg, osteopatia, quiropraxia entre outros tratamentos até que sem querer, procurando um acupunturista, encontrei um com uma mesa de tração cervical que fez por mim em duas sessôes o que nenhum outro fez em mais de trinta. Voltei a surfar sem limitação depois de mais de um ano. Achava que nunca mais isso ia acontecer. Se tiver a chance, experimenta.
    Abraço,
    Cezar

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  2. Marcello Serpa11:36 AM

    Julio, se compaixão é reconhecer a dor alheia e suas conseqüencias. Aceite a minha.

    Tive também um pinçamento na cervical.
    Dores, dificuldade para dormir, braço dormindo ou formigando e 8 meses sem pegar uma onda sequer.

    Um mau humor do cão com uma dor constante que me tirava o sono, o animo e a esperança que pudesse envelhecer pegando onda como num comercial de previdência.

    Tomei uma injeção cavalar de anti-inflamtório que me deram 2 semanas de paz para poder fazer uma terapia de choque com um fisioterapeuta fantástico aqui em São Paulo. Deposi de 3 meses embarquei direto para Mentawai com as minha borrachinhas e exercícios.

    Depois de 30 minutos observando as esquerdas perfeitas de metro e meio em Icelands remei na primeira onda depois de 8 meses fora d'àgua.

    Cheguei ao fim com àgua salgada nos olhos, não sei se minha ou do mar.

    Depois disso muita yoga ashtanga vc estará pronto para os 50, assim como eu.

    Um grande abraço,
    Marcello Serpa.

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  3. Isto e uma droga mesmo.
    Rafael Jacob, otimo fisioterapeuta, osteopata e atende ai em Ipanema perto de voce. Tel. 99947-4891.
    Resolveu meu joelho, ombro, etc...
    Boa sorte!!

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  4. Me achei nesse Texto tb. Estou com uma Hérnia de isco na Lombar. Fiquei 5 meses sem surf. Hj já consigo surfar devido a Pilates Yoga e Fisioterapia. Mais ainda tenho alguns incômodos. Boa sorte Marreco.

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