terça-feira, abril 08, 2014

Tio Buttons

As muitas faces de Buutons


Tio Buttons, Tio Buttons, me leva para mais uma onda ? 
A garotada não cansava de pedir e Buttons, incansável, repetia seu velho ritual de compartilhar o surfe, fosse um turista na sua escolinha em frente a Chun’s Reef no North Shore, ou um veterano de guerra no seu trabalho voluntário em White Plains Beach no Westside de Oahu.
Todo mundo virava garoto perto do Buttons.
O que a larga maioria dos seus alunos não sabe é que esse camarada que nunca tira o sorriso do rosto já foi um dos maiores surfistas do planeta e é hoje reconhecido como um dos mais influentes de todos tempos.
Nascido Montgomery Ernest Thomas Kaluhiokalani em Honolulu, 1958, sua mãe queria homenagear seu ator predileto, Montgomery Clifft. 
A avó quando viu seus cabelos enroladinhos lhe deu apelido de Buttons - os cachinhos pareciam botõezinhos...
Cresceu surfando em Waikiki em qualquer coisa que flutuasse, evoluiu para as famosas bancadas do South Shore, Ala Moana, Kaisers e rapidamente ganhou o mundo- e o North Shore.


Quem aprendeu a surfar no final dos anos 70, início dos 80, queria surfar como Buttons.
Os feras do Quebra Mar e do Arpoador, Itamambuca ou Pipa, caras que a minha geração admirava, queriam surfar como Buttons.
Alguns dos melhores até tinham muito do estilo do Buttons no jeito de pegar onda, Gironso no Arpoador, Valdir Vargas no Quebra Mar, Tinguinha, mesmo Picuruta, ainda na época da biquilha, tinha uma ginga havaiana.
Todo mundo vai lembrar de alguem que trazia traços do Buttons em cima da prancha.
E era aqui no Brasil que o legado do Buttons se espalhava mais rápido, por motivos quase óbvios.
O primeiro deles, fácil de identificar no primeiro olhar, cor da pele e sua cabeleira sarará que nos remetia imediatamente ao Jairzinho, Furacão do glorioso Tricampeonato na Copa do México em 1970.
De todos ídolos do surfe mundial, os havaianos de pele escura pareciam sempre mais próximos dos brasileiros por mera afinidade.
Esse, o segundo motivo, afinidade.
Quando Shaun, Rabbit e MR chegaram para brigar pelo título mundial, a coisa ganhou um ar de seriedade que não combinava muito com a geração que reinava nas praias brasileiras. 
Claro que existia exceção, uma penca delas, mas tudo que os cabeludos daqui queriam era se divertir, sem compromisso com pôrra nenhuma, como os havaianos.
Australianos, sul africanos e americanos eram claros demais, loiros demais, quietos demais...
Havaianos e brasileiros eram mais espaçosos e divertidos.
Bocão, Otavio Pacheco, Rico, Proença, sentiam-se em casa com os Aikau, Abelira, Kealoha, Ho, Carvalho. 
Buttons nunca estava sozinho (como os brasileiros!), fosse nos filmes, na temporada havaiana ou nas revistas.
Voce lia o nome dele e logo ao lado vinha escrito, Mark Liddell e Larry Bertleman, o trio calafrio de Velzyland.
Bertleman era um pouquinho mais velho e exercia enorme influência nos outros dois e durante um curto período, Bertleman foi um dos surfistas mais bem patrocinados do mundo - isso num tempo que a palavra patrocínio ainda não tinha a dimensão que tem hoje.
Bertleman era um superstar e Buttons seu pupilo mais virtuoso.
Quando o filme Playgrounds in Paradise foi exibido no teatro do Hotel nacional (talvez Colégio Rio de Janeiro...) para um público de ensandecidos surfistas, um dos momentos de maior delírio foi a entrada triunfal do Buttons fazendo mágica com sua Stinger Aipa.
Breve pausa para explicar o que era, e representava, uma Prancha modelo Stinger shapeada pelo Ben Aipa.
Ele mesmo, Aipa, era um excepcional surfista, mas foi sua ousadia como shaper que o tornou lendário. Aipa foi o camarada que refinou a prancha para onda pequenas, criando a rabeta Swallow para dar mais agilidade nas manobras e teve a brilhante idéia de enfiar um Wing quase no meio da prancha tornando suas pranchas verdadeiros skates.
Buttons, Bertleman e Liddell eram os pilotos de teste do Aipa e ainda arrastavam a quilha o máximo que podiam pra frente, deixando quase nenhum impedimento para curvas nunca antes sonhadas.


Percebam que entre 75 e 78 quase todo imaginário havaiano rondava ondas grandes ou gigantes e de repente aparece aquela turma de Velzyland sufando ondas pequenas, finalmente possíveis, manobrando com uma criatividade absurda e desenhando um linha completamente diferente de tudo que se via nos filmes da época.
O que Buttons fazia era humanizar e aproximar a fantasia de um Havaí improvável para qualquer um.
Não eram mais ondas assustadoras como Pipe, Sunset ou Waimea, Buttons e cia pareciam se divertir tanto nas ondas pequenas de Velzyland quanto Lopez em Pipe, ou BK em Sunset - talvez mais.
Duma hora pra outra, o surfe voltou a ganhar um ar inocente de brincadeira, uma coisa quase infantil de experimentar só pra ver no que vai dar.
E assim foram surgindo 360s, rock’n rolls, cut backs com curvas de ângulos obtusos, lay backs extendidos até não poder mais e uma alegria de surfar impressionante.
Buttons cavava de front side, chegava no lipe e trocava de base, batia de back side, voltava e trocava de base novamente.
Tudo subitamente parecia possível vendo Buttons surfar.
Enquanto todos surfistas do seu calibre correram para o recem criado circuito mundial, Buttons não queria deixar o Havaí por nada desse mundo, numa preguiça digna de Macunaíma, nosso heróis sem caráter.
Fora dágua Buttons arrepiava de skate, imitando Alva e Peralta, antecipando em pelo menos 20 anos a influência que o carrinho devolveria pro surfe com a ascenção dos aéreos.
Nem sempre a vida foi justa com ele. Buttons deixou-se levar pelas drogas que tomaram, ainda tomam, tantas vidas no Havaí.
Durante alguns anos Buttons sumiu do mapa, desintegrou-se até ser achado sem muita esperança nas esquinas do mundo.
Reinventou-se com quase 50 anos, largou um vício, drogas, voltou para outro, surfe.
Reapareceu como se nada tivesse acontecido, forte como um touro, surfando com a mesma alegria, fez uma escolinha para ensinar surfe e espalhar o Aloha.
Foi fisgado por um imperdoável cancer e faleceu aos 54 anos apesar de todo esforço que a comunidade fez para ajudá-lo.
A herança dele está clara na homenagem que Kelly Slater fez à ele no Instagram,
Buttons surfava do jeito que nós sonhávamos ser possível surfar.

Buttons & Aipa = Boom! Pow! 


HISTORIA CURIOSA - Final de 7 em Pipe

Em 1981, logo após ter sido anunciado os classificados para a grande final do Pipeline Masters, Buttons tinha ficado em quinto na segunda semi e não achou justo o resultado.
Houve, possivelmente, uma onda que não foi vista, ou confundida.
Os Black Trunks resolveram dar uma forcinha, o tempo fechou e, pela primeira vez (talvez a única!) na história da ASP uma final teve 7 surfistas ao invés dos tradicionais 6.
Buttons ainda terminou em terceiro, mesmo fazendo uma gritante interferência no Allan Byrne.
O evento foi vencido por Simon Anderson num modelo de prancha muito contestado então, a triquilha.

Todos outros competidores, Buttons incluso, estavam de monoquilha.

Até Breve... Foto do Divine

2 comentários:

  1. um dos momentos de grande intensidade na minha vida que o surfe me proporcionou, estava lá, moleque, in loco, na areia, na época com os brazilian nuts....e foi exatamente o que aconteceu.hahah

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